segunda-feira, julho 17, 2006

CARTA ANACRÔNICA A UM JOVEM POETA (Goulart Gomes*)

Você me diz que quer publicar um livro de poesias. Para que? O mundo não
precisa da sua poesia. Já basta a poesia de Fernando Pessoa, de
Cummings, de João Cabral, de Manoel de Barros, de Maiakóvsky, de Camões, de Lorca,
etc, etc, etc. Para que a sua? O que ela vai acrescentar? Trinta milhões de
livros já foram publicados no mundo. Não precisamos de novos
escritores,basta ler os excelentes clássicos que já foram escritos.
Você me diz que vai mandar seu livro para as editoras. Acha que alguma
delas vai publicá-lo? Nem chegarão a lê-lo! Seu destino é a lata do lixo,
como a
todos os demais. No máximo você receberá uma carta dizendo que a
proposta
não faz parte da linha editorial deles (ainda que faça) ou que o
catálogo já
está completo para os próximos três anos (ainda que no ano seguinte
publiquem qualquer escritor estrangeiro que esteja fazendo sucesso
mundial).
As editoras não precisam de novos escritores. Quando elas precisam que
um
livro seja escrito, contratam um grupo de ghost writers e o encomendam.
Depois, pagam a alguma celebridade para colocar seu nome abaixo do
título. E
pronto: lá vai ele para a lista dos dez mais vendidos.
Voilá! Você conseguiu que seu livro - por algum fantástico acaso
sobrenatural ou pelo Q.I. (Quem Indica) do vizinho do colega de um
amigo seu
seja publicado pela editora. Primeiro eles vão tentar lhe propor uma
parceria: arrancar alguma "colaboração" sua, o bastante para cobrir os
custos de impressão. Se não, lhe pagarão 5% ou 10% sobre o valor de
capa da
tiragem (o que vai lhe render, no longo prazo, uns dois mil reais).
Ainda
assim, você nunca saberá se o número de exemplares impressos realmente
corresponde ao valor que você recebeu. Depois os livros serão colocados
em
algumas pouquíssimas livrarias onde, após uma semana de exposição, vão
para
no fundo das estantes empoeiradas, à espera que algum maluco por livros
o
encontre e compre.
Mas você é persistente, não desiste facilmente. Decidiu bancar a
impressão
do livro. Circulou um "livro de ouro" entre os amigos para arrecadar
contribuições, tipo venda antecipada, ou conseguiu alguma microempresa
que,
por achar que está investindo em cultura (responsabilidade social está
na
moda!), resolveu custeá-lo, no todo ou em parte. Encontrou uma gráfica
que
parcela em seis vezes sem juros, entregando a obra após a terceira
parcela
quitada. Que maravilha! O livro vai sair da gaveta!
Então, você paga para alguém revisá-lo. Paga para algum escritor um
pouco
mais conhecido que você (e que precisa cobrar para sobreviver) fazer o
prefácio ou as orelhas. Paga para alguém editá-lo em Page Maker. Paga
para
um designer fazer a capa em Corel Draw. Finalmente, o livro está pronto
para
ser entregue à gráfica. Um mês depois (faltou tinta, acabou o papel, a
máquina deu defeito, o seu CD desapareceu, aconteceram greves de
motoristas
de ônibus e gráficos, nesse ínterim) você recebe um telefonema, dizendo
que
já pode retirar os exemplares.
Que alegria, enfim seus filhos nasceram! Infelizmente uns dez por cento
da
tiragem saíram com defeito, mas a gráfica se comprometeu a repô-los...
com
alguns exemplares que já imprimiram a mais, justamente para suprir essa
necessidade, e que deveriam ficar com você, mesmo.
Agora é programar o lançamento. Primeiro você vai precisar achar um
local.
De preferência, bar, livraria ou espaço cultural que não lhe cobre
trinta
por cento sobre as vendas. Você vai precisar imprimir convites e enviar
pelo
correio para aquela turma que tem medo de computador, mandar e-mails
para
todo mundo que conhece e não conhece, além de ligar para todos os
amigos e
parentes relembrando, na véspera.
Você vai penar nas redações dos jornais locais que, como você não é
famoso,
vão lhe dar pouca importância. No máximo, publicarão um "tijolinho" na
seção
"Roteiro - Grátis" do segundo caderno ou na edição de domingo, que só
trás
amenidades.
No dia do lançamento, dez por cento das pessoas que você convidou vão
aparecer (você pagou um buffet para cem pessoas), metade vai comprar o
livro
o que, no final das contas, não vai dar nem para cobrir as despesas que
você
teve com os salgadinhos encomendados a Dona Maria e o vinho Chalise ou
Santa Felicidade.
Vai sobrar uns noventa por cento dos exemplares da sua tiragem,
armazenados
dentro de casa, torrando a paciência dos seus familiares, ocupando os
poucos
espaços disponíveis: abarrotando armários, dentro da geladeira,
calçando
mesas capengas, no porta-revistas do banheiro... Um mês depois você já
estará dando o livro para quem aparecer na sua frente, só para se
livrar do
trambolho. Você vai procurar todas as livrarias significativas da sua
cidade
para deixá-los em consignação, a quarenta por cento do valor de venda.
Algumas aceitarão, outras não. Três meses depois já estarão lhe
telefonando
para apanhar os exemplares não vendidos (quase todos), pois eles
precisam do
espaço para o novo lançamento de Paulo Coelho.
Você vai mandar seu livro para outros cinqüenta escritores com os quais
você
já fez algum contato na vida e uns dez vão lhe mandar uma cartinha
básica,
dizendo que gostaram muito, "principalmente do poema tal" (cataram um
título
qualquer no sumário). Seu livro pode até ganhar um prêmio daquelas
associações culturais de cidades das quais você nunca ouviu falar, que
promovem concursos para aumentar a biblioteca particular do seu
fundador. E
nada mais.
Seu livro será esquecido, você será esquecido e dê-se por feliz se,
algum
dia, encontrar algum exemplar em um sebo, aonde são vendidos os livros
verdadeiramente bons e há gente interessante para comprá-los.
Isso é tudo. Para que você quer publicar um livro de poesias? Ou outro
livro
de ficção qualquer? O mundo não precisa do seu texto, a Literatura não
precisa de você.
Mas, se depois de ler isto tudo, você sentir em seu coração a
necessidade
inegável de fazer chegar aos outros a sua mensagem, suas idéias, suas
emoções, ainda que para isso tenha que gastar todas as suas economias
ou
tomar um empréstimo naquela financeira da esquina; se você acredita que
pelo
menos uma pessoa no mundo vai ler e decorar para sempre uma estrofe dos
seus
versos, e que isso para ela vai fazer uma grande diferença; que a
publicação
do seu livro é a concretização de um sonho pessoal, das coisas em que
você
acredita, ainda que você não ganhe um centavo, não apareça na Caras nem
seja
parado na rua para dar autógrafos, então vá! "Faze o que tu queres pois
é
tudo da Lei". Publique seu livro e seja feliz, pois você é um
verdadeiro
Poeta!

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* Goulart Gomes é um escritor baiano. Já publicou 10 livros
individuais,
participou de mais de 40 antologias e, como editor alternativo,
colaborou
para a publicação de uns 50 livros de novos autores e antologias
(goulartgomes@hotmail.com).

Visite: http://www.geocities.com/goulartgomes

4 comentários:

Anônimo disse...

meu deus!!achei que a vontade de escrever um livro estivesse muito bem lá no fundo do fogão bem misturadinha em meio às cinzas da lenha de anos atrás. mas tinha uma ponta de brasa e a ventania do Goulart assoprou. deu medo. e um aperto. e o pior: eu só penso eu quero.

Erly Welton Ricci disse...

Tenho fotos do Casca de Nós em Antonina. Se quiser´mande-me seu endereço de e-mail para erlywelton@uol.com.br -

Um grande abraço

Anônimo disse...

tocumdordistômago.
dizemquiégaztritinervosa.
masdepoisdessisôco...

L. M. de Souza disse...

esse goulart gomes (que tem o sobrenome do meu vô, o goulart, porque goulart nao é primeiro nome de ninguem) não me disse nada do que eu nao soubesse. parece aquelas coisas que o jabor escreve e q todo mundo acha o maximo por dizer de novo pra gente aquilo que a gente já sabe.