quinta-feira, novembro 17, 2005

Texto de Ricardo Silvestrin que saiu na revista ETCetera.

A hora da Estrela Ruiz Leminski.

Estrela estréia em livro, mas a poesia acompanha a sua vida desde o ventre. Tanto que o livro abre com um grande haicai escrito aos seis anos de idade: “a casa/a lua o sol/nem sempre só”. Não tem um verbo. Concisão. Tem uma criança ali naquela casa. Anoitece, amanhece. As pessoas chegam e vão embora. Agora tire a criança. Ponha qualquer ser humano. Pronto: não é assim mesmo que é a vida? Ás vezes só. Ás vezes acompanhado. Como no poema Tabacaria, do Fernando Pessoa. Depois de todo aquele jorro de pensamentos do heterônimo Álvaro de Campos, aparece um amigo que o chama do outro lado da rua e o faz voltar ao mundo. Sai da solidão que quase o faz desaparecer para o convívio com o outro. E no outro ele se reconhece vivo e humano. Voltando ao haicai. Tem a casa e, por oposição, a rua. A lua e, por oposição, o sol. Estar só e, por oposição, estar acompanhado. Como o brilho de uma estrela: vai e vem. Estrela lida no seu livro com os contrários e não tenta harmonizá-los. Não os trata como complementares. Alegria é alegria e dor é dor. Essa sinceridade aflora em todo o livro. E talvez por isso pulse tão forte uma pessoa por trás dos versos. Uma pessoa jovem, viva, crescendo, aprendendo,vibrando, criando. O livro se organiza assim mesmo: dos poemas da infância, passando pelos da adolescência até chegarem aos da sua vida de vinte e poucos anos. E olha só no que deu hoje aquela menina lá do início: “A noite vem como um virar de página/Dentro da madrugada cresce o silêncio/dos que não têm fala/Contagem regressiva dos capítulos:/o tempo se arrasta para quem/não tem história/Me afundo num livro/como quem muda de vida/Mudo o enredo da minha memória/apagando com letras as minhas feridas”. Sim, feridas. Não tem outro nome. Não tem ironia. Sem medo de falar de sofrer. Isso soa novo. Não é o sofrimento poético chavão, nem o poema que paira acima das dores. É a dor na exata medida. Nem maior nem menor do que é. Como também exato é esse poema. Não tem nada sobrando. As imagens se harmonizam com os sons, os sentimentos e as idéias. Em Cupido: cuspido, escarrado também tem os poemas irônicos, os alegres, os reflexivos. Tem os curtos, os longos, os com efeitos gráficos, os sonoros, vários haicais. Tem os que beiram a prosa e os que beiram a letra de música. Tem correndo por baixo de tudo uma poeta-leitora dialogando com vários fazeres poéticos contemporâneos e acrescentando a eles as suas próprias descobertas.

2 comentários:

bruno brum disse...

É uma pena a edição já ter se esgotado!

FAKE disse...

Ô amiga, que bom que deu pra matar um pouco a saudade... mas só um pouquinho!
E ai, o Vivi gostou do livro?
Beijos