
Ontem fomos assistir a uma palestra do Luiz Carlos Prestes Filho (filho do homem), sobre a cadeia produtiva da música brasileira. Foi muito importante para esclarecermos algumas questões e ter um pouco da visão do outro lado do que estamos trabalhando. Foi importante conhecermos mais de como funciona a cadeia produtiva da música, ou pelo menos de como funciona todo o grande esquema da indústria fonográfica. Várias partes da palestra (ou quase tudo) tratavam de aspectos econômicos, e não poderia ser diferente. Mas foi ótimo ver que, no fim das contas, estamos no caminho certo quando divergimos em muitos pontos.
Luiz Carlos Prestes Filho fez uma ampla pesquisa sobre instituições, empresas, público consumidor, etapas de produção baseado na realidade do estado do Rio de Janeiro. Construiu 3 mapas do Estado que praticamente coinscidem:
1) Municípios onde estão concentrados empresas oferecendo serviços ligados à música, casas de show, empresas de eventos, empresas de locação de equipamento de áudio, etc.;
2) Municípios onde estão concentrados locais de consumo de música (teatros, cinemas, lojas...)
3) Municípios onde estão concentrados a arrecadação de direitos autorais repassados pelo ECAD
E não poderia ser diferente. O que, aparentemente, parece óbvio foi cientificamente muito bem sistematizado, saiu do senso comum e virou "oficial". Esse é o ponto positivo, além do fato dele alertar que artistas e produtores culturais, hoje em dia, tem de estar atentos ao todo do cenário musical, e não somente a parte artística. Mas isso os artistas independentes de hoje, no âmbito da Contra-Indústria, já são, na prática, obrigados a enfrentar. Quem estiver alheio às questões econômicas, administrativas, financeiras e burocráticas da vida artística, fatalmente estará aquém dos que estão atentos. Aos poucos, os artistas profissionais da nova geração estão tomando consciência disso e configuram o que chamamos de Contra-Indústria, título do nosso livro.
Mas o que realmente apitou em nosso ouvido foi o fato da questão do jabá. Segundo o palestrante, esse é um detalhe importante, mas apenas um detalhe dentro do todo da cadeia produtiva. Para ele, o fato de apenas 77 artistas brasileiros (quantidade oficial com contrato com uma grande gravadora ou major) serem beneficiados por essa prática (que já foi proibida nos EUA) é quase que natural. A isenção fiscal de grandes gravadoras multinacionais desde os anos 60, que segundo os presidentes dessas empresas são eles os grandes responsáveis pelo boom da música brasileira desse período, pode até ter sua importância estrutural do cenário nacional. Para Prestes, graças a essa prática fiscal do período da ditadura é que a música feita em terras tupiniquins representa hoje em dia em torno de 75% do mercado. Um tanto quanto contraditório pensar que a ditadura seja a responsável pelo desenvolvimento do cenário muscial, que historicamente é um dos campos de resistência mais abrangentes.
Mesmo considerando esse fato tributário como um impulso à música nacional, não podemos esquecer de que a chamada MPB (no sentido mais amplo de Instituição) tem uma diversidade incomparável em qualquer parte do mundo. Não se pode creditar o desenvolvimento da música brasileira, que muito antes dos anos 60 já era um dos setores mais importantes da brasilidade reconhecida internacionalmente, quase que exclusivamente à empresas estrangeiras, esquecendo do potencial local tanto de produção quanto de consumo. As grandes gravadoras se consolidaram no Brasil muito graças a essa grande isenção fiscal, e viu naquele momento de efervecência cultural, com inquestionável qualidade, uma grande oportunidade de realmente monopolizar o mercado brasileiro, mesmo que fosse com artistas nacionais. Para nós, na verdade, esse é o ponto crucial. E hoje em dia, estes mesmos 77 artistas brasileiros, mais todos os estrangeiros oferecidos pelas majors, representam quase 90% do mercado musical no Brasil ao mesmo tempo em que mais de 60% dos títulos de CDs prensados em Manaus sejam de artistas fora desse grande circuito, e esse número tende a aumentar a cada ano. Sem o jabá, realmente, os números seriam muito diferentes.
Por mais que o Ministério da Cultura possa ser criticado em vários aspectos, o fato de o ministro Gilberto Gil tomar uma postura de acabar com esse benefício fiscal (sem discutir o mérito de que isso está certo ou não) mostra, no mínimo, uma preocupação de minimizar esse efeito e equilibrar mais o cenário nacional. Prestes disse que essa medida do ministro é por puro ego, com o intuito de imortalizar sua geração como o auge da criatividade da música brasileira tirando oportunidades da geração atual, mesmo não sendo contra o Governo Lula. Na realidade, as melhores oportunidades para os artistas estão, cada vez mais, fora das grandes gravadoras. E é óbvio que o fim desse benefício fiscal não resolverá todos os problemas, e, na verdade, nada feito isoladamente irá. Mas nunca o Governo Brasileiro dialogou tanto com a classe artística como agora (ou ao menos mostrou essa vontade), através das Câmaras Setoriais. Realmente é necessário alguma ação contra o jabá para que o mercado se equilibre, e com certeza o jabá não é um mero detalhe dentro da cadeia produtiva da música no Brasil. É uma das questões mais centrais, e não é à toa que está em discussão na maioria dos Fóruns de Música no Brasil.
Um dos principais patrocinadores do livro A Cadeia Produtiva da Economia da Música, de Luiz Carlos Prestes Filho, é o Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (ECAD) que, apesar de extremamente necessário, tem posturas muito tendenciosas e está longe de atender à demanda dos compositores independentes, favorecendo historicamente interesses das grandes gravadoras.
De fato, o sistema tributário brasileiro, levantado por Prestes, apresenta uma série de defeitos influenciando e dificultando a ação de várias empresas nacionais que poderiam contribuir muito mais com a cultura no país. Uma reforma tributária é, mais do que nunca, necessária para o avanço de vários setores da sociedade brasileira, não só o cultural. Entretanto, não entendemos que a isenção de tributos fiscais de empresas multinacionais seja a salvação da música brasileira, sem discutir o mérito se deveria continuar ou não.
A próxima pesquisa de Prestes será sobre a indústria do Carnaval.
Vale a pena conferir sua abordagem.
Um comentário:
Oi Makely, fui eu quem escrevi o texto. Exatamente essa abordagem que eu procurei passar no texto. Que a pesquisa dele é ótima e extremamente bem feita, porém divergimos em pontos de suas conclusões. Mas não é de se espantar essa reação da ABDP, e provavelmente vocês mesmos já esperavam isso. Eu acho, na verdade, que esse tipo de discussão com os representantes da indústria é um tanto quanto perda de tempo nesse sentido. Nós sabemos que eles não vão aliviar a barra e nem diminuir seus lucros. Naturalmente eles estão procurando outras fontes de renda, e em poucos anos outros setores da música serão prioridade, como celulares, etc. Mas esse é o papel das Câmaras Setoriais mesmo, e de certa forma uma proposta dessa unifica o discurso dos músicos. Uma hora gostaria de saber como está sua participação nisso.
E outra coisa, precisamos levar esse livro pra frente! Traçar estratégias de divulgação, como aquela sua idéia do wikpedia. Acho que é importante pro nosso discurso difundir mais essa idéia da Contra-Indústria. Temos feito alguma coisa, mas acho que ainda não é o suficiente.
Abraços!
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