junho de 2009
cultura
Ensino musical obrigatório valoriza
o
legado deVilla-Lobos
Há 50 anos morria o compos-
itor Heitor Villa-Lobos, músico
brasileiro, grande valorizador da
cultura e do folclore nacional,
que se tornou célebre por unir
música e sons naturais. “Conside-
ro minhas obras como cartas que
escrevi à posteridade, sem espe-
rar resposta”, afirmou, certa vez,
o compositor. Uma dessas cartas,
aoqueparece,estásendolidapor
nossa geração. É o seu legado para
a educação musical: Villa-Lobos
foi o maior partidário do ensino
da música no Brasil, sendo re-
sponsávelpor sua implantação no
governo de Getúlio Vargas. Ago-
ra, depois de 40 anos de espera,
as escolas regulares voltarão a ter
música como disciplina do cur-
rículo,comaaprovação,em2008,
de um projeto de lei que o torna
obrigatório. Agora, depois de 40
anosdeespera,asescolasregulares
voltarão a ter música como disci-
plina do currículo, com a aprova-
ção, em 2008, do projeto de lei nº
11.769, que o torna obrigatório.
“A última geração que teve ensi-
no musical obrigatório nas escolas
foi a da Bossa Nova e da Tropicália.
Então, muito do que se fala hoje so-
bre um empobrecimento musical no
Brasil pode ter uma base na falta de
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Nova lei que torna
obrigatório o ensino
de música nas escolas
beneficia a cultura e
a educação
Marina Feldman
subsídios que a geração atual tem”,
afirma a professora de música Estrela
Ruiz Leminski. Ela acredita que a
implantação do ensino de música
trará consequências que vão além do
âmbito escolar, atingindo também a
cultura nacional. “A influência para
aeducaçãocomcertezaserágrande.
Existem vários estudos que mostram
que a música ajuda na matemática,
no raciocínio lógico, mas acho que
existeumporquê maisamplonisso”.
Villa-Lobos preocupava-se
também com a elevação artístico-
musical da população. Para ele, o
ensino da música transformaria o
povobrasileiroemumpúblicomais
sensível às manifestações artísticas e
faria com que a música se tornasse
parte da vida cotidiana. “A visão de
Villa-Lobos foi fantástica. O canto
orfeônico foi aplicado por Villa-Lo-
bosefoiutilizadoaté1961,quando
uma medida de lei desobrigou as
escolas a ensinarem música”, conta o
musicólogoHarryCrowl.
O canto orfeônico foi a forma
que Villa-Lobos encontrou para
levar a música a todos. Segundo
Crowl, a técnica consistia em uti-
lizar canções folclóricas conhe-
cidas e harmonizá-las para várias
vozes, ensinando música através
do canto em conjunto. Simul-
taneamente, em outros países,
técnicas parecidas foram implan-
tadas. Na Hungria, por exemplo,
até hoje é utilizado o método de
Zoltan Kodály. A obra do educa-
dor húngaro baseia-se nos mes-
mos pilares que a de Villa-Lobos.
Seu método, porém, foi posto em
prática amplamente em seu país
natal. “No Brasil se assimilou um
conceitoerradodequeasmatérias
mais importantes seriam aquelas
ligadas às ciências exatas, e a arte
é vista como perfumaria”, acres-
centaCrowl.
Quebrando antigos rótulos
Para Estrela, esse panorama
se altera progressivamente. “As
pessoas têm a visão de um ensino
técnico, que serve para colocar os
jovens no mercado, mas eu acho
que isso aos poucos vai mudando.
Elas estão aprendendo a valorizar
o ensino da música”, afirma a pro-
fessora. De acordo com ela, hoje
se valorizam mais as chamadas in-
teligências múltiplas. Segundo essa
teoria – de Howard Gardner – o
ser humano tem oito inteligências,
cada uma delas mais ou menos
desenvolvida em cada indivíduo.
Uma dessas é a musical. “Às vezes
ouço de outros professores que um
determinado aluno é desleixado,
preguiçoso, mas, na música, é meu
aluno mais genial. Isso ajuda a que-
brarantigosrótulos”,defende.
Solange Marinho Gomes,
professora da Faculdade de Artes
do Paraná (FAP) e especialista em
educação musical, é outra defen-
sora do ensino. “Não existiu até
hoje uma cultura humana em que
a música não estivesse presente.
O papel da educação musical é
levar esse conhecimento humano
para todos”, afirma. Para ela, uma
mentalidade que dê mais valor a
certas áreas do conhecimento é
equivocada, pois todo o conheci-
mento humano é importante.
“Além de tudo, a música, quando
inserida no universo infantil, tem
um papel essencial no desenvol-
vimento. Um indivíduo também
precisa desenvolver linguagens
não-verbais”, acrescenta.
O aspecto lúdico da música
parece atrair novos partidários
da educação musical. Gabriela
Sasson Rassi, de 9 anos, decidiu
estudar violão por gostar muito
de música – especialmente de in-
strumentos decorda.Elaacredita
que a implantação da educação
musical no ensino obrigatório
é algo positivo. “No horário
extra, muitas crianças não po-
dem ter aulas de música e é um
jeito muito bom de nos educar”,
conta. Ela diz que no futuro não
pretende trabalhar com música,
mas que, no momento, estudar
música é uma experiência muito
interessante e que ajuda a desen-
volver sua audição.
Para Harry Crowl, a utili-
dade dessa formação vai além da
audição. Segundo ele, aqueles
que estudam música aprendem
muito sobre disciplina. Em sua
experiência como coordenador
da Orquestra Filarmônica da
UFPR, composta basicamente de
jovens, notou claramente o efeito
da música sobre a formação do in-
divíduo. “Em nenhuma orquestra
jovemqueeuparticipeivocêouve
falar de maus alunos. A disciplina
que eles são obrigados a ter para
dominar o instrumento é taman-
ha, que isso passa, naturalmente,
para as outras disciplinas”, explica.
Boas possibilidades no futuro
O cinquentenário da morte
de Villa-Lobos, neste ano, não
deixa de ser um estímulo para
criar um futuro promissor para a
educação musical. Para Solange,
o fato, do ponto de vista educacio-
nal e cultural, é muito positivo. A
especialista ressalta ainda o lado
humano da música. “Uma pessoa
que está fazendo música está feliz.
É muito difícil você ver, no ensaio
deumabanda,aspessoastristes.A
música é algo que traz satisfação.
Aproduçãoartísticaéinerentedo
ser humano e faz muito bem. En-
tão, por que não dar essa experiên-
cia para muita gente?”
A lei, aprovada em agosto do
último ano, afirma que “a música
deverá ser conteúdo obrigatório
[...] do componente curricular”.
Para Solange Gomes, isso já repre-
senta um grande passo. No entan-
to, ela ressalva que é preciso pen-
sar na forma que essa lei será posta
em prática. “Como a música vai
acontecer na escola? Quem serão
os professores que vão trabalhá-
la? Existirão professores de músi-
ca suficientes para o Brasil todo?”,
questiona Solange. A professora
acredita que ainda é necessária
muita discussão em torno disso,
mas as possibilidades de sucesso
são grandes. “Acho que pode dar
certo e a escola passará a ter um
papel de democratizar a música.
Não temos como saber quantos
talentosperdidostemosporaíe,a
partir de agora, poderemos desco-
brir”, finaliza
:
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